Queda dos grãos e safra menor fazem produtor rural reduzir investimentos

A perspectiva de um crescimento menor do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil e no mundo, com desaceleração do consumo, estoques globais de grãos ainda altos e desvalorização nos preços da soja e do milho têm desestimulado produtores de grãos a investir em estrutura e insumos para a safra, o que pode ter reflexos em 2025.

Para este ano, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) projeta queda de 3,4% para o PIB da agropecuária, após crescimento de 15,1% em 2023. O Itaú Unibanco estima queda de 0,7% e a LCA Consultores, de 0,8%. O Bradesco espera estabilidade. O consenso do mercado do Boletim Focus do Banco Central aponta recuo de 0,7%.
A desaceleração do consumo no Brasil e no exterior deve limitar o desempenho do agronegócio. Com menor crescimento da massa real de rendimentos, o consumo das famílias no Brasil tende a crescer 2,3%, ante 3,1% em 2023, estima a Macro Sector Consultores. As exportações devem crescer 7% neste ano, após alta de 9,1% em 2023, seguindo a economia global, que terá alta de 2,7%, ante 3% em 2023.

Segundo a Macro Sector, a receita agrícola deve cair 5,1% este ano, para R$ 901 bilhões, num cenário de retração de 6,8% na produção de grãos, para 296,7 milhões de toneladas. O número da safra em 2023/24 é um pouco superior à última estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), de 295,6 milhões de toneladas, 7,6% menor que o ciclo anterior. Para o PIB da agropecuária, a consultoria estima alta de 4%, considerando o volume de produção.

“Quando há queda de receita e preços baixos no mercado, é pouco provável que haja evolução satisfatória do agronegócio, com contribuição positiva no PIB e nas vendas da cadeia de produção agrícola”, afirma Fabio Silveira, sócio-diretor da Macro Sector Consultores, que não vislumbra recuperação nos preços da soja e do milho nos próximos meses.
Silvia Matos, pesquisadora e coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre, diz que o desempenho da agropecuária no PIB de 2023 foi favorecido por inflação menor e crescimento na produção, o que não se repetirá em 2024.

“A safra atual vai ser muito boa, mas menor que a passada, e o impacto do clima não está totalmente definido. No mundo, a produção global de grãos ainda vai bem. Não há demanda forte o suficiente para reverter o cenário de preços das commodities. Com certeza o PIB da agropecuária brasileira vai ser negativo”, afirma Matos.
Para Natalia Cotarelli, economista do Itaú Unibanco, é preciso avaliar os efeitos indiretos na cadeia produtiva. “Os setores de serviços, armazenagem e transportes foram muito beneficiados pelo agronegócio no ano passado. O efeito neste ano pode ser menor”, afirma. Ela acrescenta que o setor agropecuário deve apresentar queda na renda, em função dos preços retraídos de soja e milho.

Impactos
Os efeitos já são sentidos nos investimentos do setor. Levantamento da Câmara Setorial de Máquinas e Equipamentos para Armazenagem de Grãos (Cseag) da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) aponta queda de 15% a 20% nas encomendas de armazéns neste ano. Em equipamentos, isso pode representar redução de até R$ 600 milhões nas vendas. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) projeta recuo de 11% nas vendas de máquinas agrícolas no país neste ano, para 54,3 mil unidades.

Já a venda de fertilizantes para plantio da próxima safra nunca esteve tão atrasada, segundo indústrias. Até o fim do primeiro bimestre, o mercado brasileiro havia comprado apenas 20% do volume esperado para 2024, metade do percentual comercializado em anos anteriores, segundo a Yara, múlti norueguesa que lidera o mercado de nitrogenados no país.
Levantamento da consultoria StoneX mostra que, para as entregas de fertilizantes previstas no segundo semestre — quando começa o calendário agrícola da safra 2024/25 —, também há menor taxa de comercialização, em torno de 20%. Nos últimos dois anos, esse índice era de 30% nesse período.

Também foram afetados os desembolsos das linhas de investimento do Plano Safra 2023/24, que caíram 3,8%, para R$ 69 bilhões até fevereiro. Mas, segundo o BNDES, as operações para financiar novos armazéns de grãos mais que triplicaram em 2023. Foram 13 financiamentos a cooperativas e empresas, totalizando R$ 241,5 milhões. Já por meio de operações indiretas, feitas por agentes financeiros credenciados, o BNDES emprestou R$ 1,7 bilhão no âmbito do Plano Safra 2023/2024 em programas com foco em armazenagem, como o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA).

José Luis Pinho Leite Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, diz que a busca de produtores por crédito para construir armazéns continua grande este ano. “Há muita procura principalmente de produtores de etanol de milho”, destaca Gordon. Ele acrescenta que o banco dobrou o recurso de financiamento rural em dólar, atingindo R$ 8 bilhões. Além disso, o programa BNDES Procapcred recebeu uma dotação orçamentária de R$ 2 bilhões.

Safra e armazenagem
O setor de armazenagem, no entanto, diz que as encomendas estão de 15% a 20% menores. “Em 2023 o déficit de armazenagem foi agravado porque a safra foi maior”, diz Paulo Bertolini, presidente da Cseag da Abimaq. Ele estima que o investimento por tonelada estática gire em torno de R$ 1,5 mil, sendo 40% desse valor em equipamentos e o restante em terreno e obras. Considerando a estimativa de déficit de armazenagem de grãos no país de 124 milhões de toneladas, seria preciso investir R$ 186 bilhões para zerar o déficit.

Daniel Belani, gerente de vendas da GSI, da AGCO, diz que a demanda por armazéns de grãos neste ano está 10% a 15% menor que em 2023. “Houve esgotamento rápido das linhas de crédito do Plano Safra. E temos parte do país perdendo produtividade. Isso faz o mercado ficar retraído”, diz Belani. Ele acrescenta que parte dos produtores prefere poupar caixa, à espera do próximo Plano Safra.

A quebra na previsão de colheita de grãos levou parte dos produtores a reduzir investimentos em armazenagem, diz Denis Catelan, gerente regional para Matopiba da Casp Indústria e Comércio. A exceção são grandes produtores que atuam em regiões de fronteiras agrícolas, como o Matopiba. A Casp prevê estabilidade na produção deste ano, com exportações compensando a queda na demanda doméstica.

A Kepler Weber, maior empresa do setor, diz que teve aumento de 20% no número de pedidos na atual safra, comparado ao mesmo período do ciclo passado. Bernardo Gomes Nogueira, diretor comercial e futuro CEO, pondera que a Kepler atende grandes produtores e cooperativas, que continuam investindo. Segundo ele, a empresa já recebe pedidos para construir silos e estruturas que ficarão prontos em 2024/25.

A Agronorte é um exemplo das que investiram. A companhia aplicou R$ 70 milhões na compra de dois armazéns, em Pedro Afonso (TO) e Açailândia (MA). “O déficit de armazenagem no país é superior a qualquer quebra de safra esperada para este ciclo”, diz Vinicius Carvalho, diretor da Agronorte.
(Colaboraram Isadora Camargo, de São Paulo, e Rafael Walendorff, de Brasília)

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